terça-feira, 27 de novembro de 2012

Honre a Carnéia

Usando crânios pra cravar na memória uma retorção do corpo linguístico como um todo. Ópio é do que preciso, pois já a dor não é causada, e sim sentida a todo tempo. E quando realço a importância de afastar tudo e todos do vazio e nada, é porque realmente não conseguem, por si mesmos, enxergá-la. Reza tu que vê o santo. Reza tu que entende o deus. Eu não o vejo nem sinto. Não estão aqui os que te abandonam.
Precisa do óbvio para que te falem: carne à deriva do tempo apodrece. E quando içado, o sangue com sal permanece. Ao passo que os vermes não decompõem a prece, o ópio não cura a moléstia que cresce. 
O cilíndro é a morte e ele vem de cima. Esmaga-me o corpo e maroto te ensina. Quando se vê um morto, o comando foi dado. Quando o deus quiser tu serás julgado. Cabe a ti então subjulgar o passado e transformá-lo em um crime perfeito, sem suspeito e nem preceito.
E o que apaguei de mim me manteve, o que exorcisei com a raiva marcante. Pouquíssimas vezes o espasmo foi tão profundo, que tive que expor meu interior ululante. Gritando e gemendo e virando os olhos pra cima. Não há rima que perto da dor se aproxima.
Honre a Carneia é o conselho que ficou. Vá à guerra apenas depois que o mar já fechou. Dê a desculpa que o tempo não deu. Use do infinito, um recurso que é teu. A tortura é eterna e não é opcional. Criando uma fresta entre o mal orbital. Enquanto ao redor estiver tudo normal, seu dilema, em suma, é definir o irreal.
Boa ou ruim, ainda é uma maldição. Mesmo que jovem, mesmo que longe. Mesmo que morra, ainda é uma maldição. Escarro o passado, a lamúria é maldita. Ver as coisas mudarem de dentro do casmurro é simples. A concha se quebra e você come a ostra com pérola e tudo. Nem soube saborear, por ter essa pressa de ver o mundo acabar.
Honre a maldita, Carneia. Dê aos vermes a comida salgada. Cura tua dor sem ópio, sem ternura. Pois quem fica é mais egoísta que quem vai. Aproveita e manda um postal do inferno, que é teu lugar. 

domingo, 28 de outubro de 2012

De Ponta a Ponta

Calma que vem chegando. Por mais que não na hora, nem no dia marcado. Inflamando cada orelha e cada pensamento, despedaçando cada memória do que já se foi e não volta. Calma que vem chegando a hora de ir de encontro ao que realmente interessa.
Cromaticamente, as palavras tornam-se ultravioletas, invisíveis aos comuns sentidos. Orbitando cada ação e cada reação como se fossem os reais olhos do mundo, elas fazem grades tremer, e olhos brilharem. Elas fazem pregos e sangue virarem ícones eternos do que é carnal e correto. Felizmente, nesse quesito sou cego.
Uma floresta com grandes árvores e um chão de pedras. O musgo recende às prévias chuvas, e a terra é visível nos cantos enraizados por todas as partes. Do alto da árvore se vê que vivo é o que simplesmente está. Um degradê de tintas velhas. Essa pintura é simplesmente um dos milhões de lugares onde sentiria-se bem o ser que recende a mal.
E entendo que não é o quanto se andou que define qual a distância percorrida. Nem por tempo consigo medir, nem por perdas se dá pra lembrar. No final das contas, são apenas memórias que se disciparão onde enraízam-se as plantas. Essas que são os depósitos da conciência e da malevolência dos seres.
Violinos fazem com que cada célula vibre, lembrando-te de que não é somente o seu rugido, ou a sua voz que pode falar. Alma e asas em muito se parecem. Pena que já não as tenho as duas. Um raio cai duas vezes no mesmo lugar quando a vontade é forte. Já que se fez por merecer um segundo raio, do primeiro muitas vezes se esquece. Deixa pra lá.
Não quero que leia e pense o que quiser. Esse já é o foco do texto. Não te obrigo a dar meia volta e pedir perdão. Não me refiro a você como ser, por ser sujo demais pro teu toque. Dar uma gargalhada na sua cara é te fazer entender que a vida é um ponto de vista muito mais completo.
Perdi milhares de dias pensando em um. 
Calma que já vem chegando a hora de se apresentar. Às vezes, de tanto olhar o nada, vê-se tudo duplicado. Você é nada e não te tiro da cabeça. Como é bom ver tudo de um ângulo diferente. Do ângulo completamente imparcial, imprevisível e impraticável. Sorte que a fornalha foi feita só pra derreter.
Mas saiba que não é bem vindo aqui. Essa sua aorta destila o veneno que tanto lutei pra conseguir algumas gotas. No coração da pintura, na alma do eterno e do etéreo. Essa vontade de perder-se no tempo se perde por envenenado eu já não viver de carinho. Nada distorce o fato, e nada o faz mudar.
Alguns traumas você sofre e sobre eles acaba por concatenar. Seria a confluência ou a afluência? Qualquer que seja, não é ergonômica.
A espada corta a carne. Dias depois está lá, esposta e pronta para ser devorada pelos mesmo vermes que me roem o corpo. Não que de morto eu me conceitue, mas pela espadada ter sido o mesmo motivo. Apodrecer é um ato comum. Tão dependente das próprias ações quanto canalizar os malditos raios.
Não que goste de prolongar muito o que esteja querendo dizer, mas realmente, o chá está muito gostoso. Você não percebe que desde que cheguei quem não percebeu a minha chegada foi você. E é isso que magoa, no final. Eu farei do seu dia um refúgio para a nossa sanidade. Seremos insanos e bêbados e seremos mortais.
Já é a hora. Te dei esperanças e aprendi o que pude. Fica com o peito escancarado que vou cortá-lo com uma memória afiada. Das tuas memórias sairá a mais cinzenta sequoia que o mundo já viu.
 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Nuvem

Eu sabia que a camisa estava amassada
Mesmo assim eu quis vesti-la
Eu quis vestir a camisa suja de sangue
Porque minha idéia era pintá-la

Renovar seu vermelho vivo
Pois não foi minha amiga
Que me deu as costas
Pra ela eu ainda sirvo
Como alento pro perigo
Um mural sem coisas postas

Uma nuvem descarregada
Controlada por um jovem
Atingida pela distância
E volta sempre mastigada
Pelo tempo de desordem
Que longe fica da inconstância

Relutante, e de camisa suja
Ele guia a nuvem criada
Ela o segue em sonhos
Ele a aceita por ser viva
Mesmo que ao alto ela marque
O jovem sujo, marcador de contos

Ele a ama. Ela o ama.
Os dois vivem a mesma fantasia
Em que os dois são donos da mesma euforia
Em que a realidade e percepção são a mesma
E as duas juntas formam a oniciência extrema
Que os dois compartilham em profundo regozijo
Entre eles não houve, nem há, qualquer desespero
Ela espera e ele espera que haja mais encontros
Por entre as grandes vielas em que ele vive
Matando uma fantasia por dia
Pra renovar o sangue em sua camisa
Feito de nuvens de um passado não tão distante
Em que os dois se tocavam o coração
Com a mesma facilidade que o vento toca a alma

A nuvem sempre acima, o menino sempre abaixo
Não só de gás, não só de carne.
A verdade é que estar voando pra ele era a melhor sensação.
O mesmo que ela sentia ao tocar o solo em pedaços.
Um carregava o outro em si. Um pedaço de cada vez.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Tormenta

Sonhos são tão estranhos.
Às vezes não se sonha com negações. Elas simplesmente desaparecem, e tudo o que você imagina impossível torna-se possível e passível. Os sonhos são parte de uma massa grande e cinza, chamada tristeza. Servem apenas pra que se objetive a inutilidade e para que se almeje a inconstância do impossível. Mate-os.
Conforme você se equivoca, e sonha, perde a sanidade pouco a pouco. É lá (nos sonhos)  que você aprende a ser incostante, e que percebe que a realidade poderia convergir para o ponto ápice da sua felicidade. Acho que andei sonhando demais, e refletindo sonhos de menos.
Existe uma variação da ausência de sonhos que é chamada de limbo. Cai no limbo aquele que não sonha com nada, nem aplica essa experiência de não sonhar para que se almeje o estado onírico. Limbo é a paz completa, enquanto que o sonho é a semente do caos.
Conectando os fatos às visões noturnas inconcientes, tem-se que de deixar de pensar em algo pré-entendido e pensado, faz-se a ligação inconsciente e subconsciente do conceito criado, fazendo o sonho atuar como um inibidor da liberdade. Um tiro de sal nas asas de um pássaro adulto. Pássaros são escória.
Rápido como um raio, um sonho pode acabar e te trazer de volta suavemente à realidade, fazendo-o pensar em quão diferente a vida poderia ser, e em quanta agonia se polparia se o destino atuasse como é oníricamente apresentado. Só que os raios são quentes, como a memória do que fica retido na consciência. Tão quentes que podem derreter a maioria dos objetos, fazendo-os transcender em água, ou lágrimas.
As lembranças são o veneno da parte consciente do seu interim. O que as afeta, assim como assistir a um filme que te dê uma condição de que poderia ser eterno, ou perfeito, é a possíbilidade de imaginar o que falta para alcansar a plenitude. A possibilidade de imaginar a diferença paralela em universo. 
Sonhos são falsas esperanças, e falsas esperanças só trazem dor. Expectativas te fazem rodar o mesmo sonho, atuando como cúmplices na destruição da sanidade (essa é a excência) e descartando as ligações em que se criaram o vículo com a vida, e o vínculo com a terra.
Sonhos te levarão ao suicídio.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Boemia me Trouxe Até Aqui Por Estar Passando Dos Limites

Quando me tiraram o chão, eu voei. Quando me tiraram as asas, eu caí. Pra sempre eu caí, pois nada mais satisfasia o mal-estar da negritude que se espalhava em meu peito.
E por fim cancelei os sentimentos, transcendi.
Não foi uma nem duas vezes que cansei do que vi.
O passado ainda é presente na sentença. Mesmo que o passado ainda vá acontecer.
E todo aquele tempo foi pro ralo, todas as memórias são gotas que batem no chão como perturbam meu sono, convergindo para o ralo do esquecimento. A adimiração ficou.

O espelho só reflete uma direção.
E quando me tiraram o espelho da frente, finalmente eu a vi.

Já passei por coisas piores muito mais bêbado.
Já tentei controlar horizontes com meus sonhos planejados. Já tentei caminhar na brita sem calçados.
Eu sei que soa estranho resmungar, mas às vezes tem-se que dizer que já não é o vento que sopra pela caravela e a faz mover. Soa estranho resmungar porque a voz não sai por completo, como por incompleto deu-se o movimento, quando de mim retiraram-se as asas do conhecimento. 

A tua indiferença me faz superar a ignorância.
Me faz entender que não preciso de espelhos pra ver quem eu sou.

Era o fim de uma noite, quando raiou o dia.
E eu cansado fui deitar, a cama cheia de insetos e estrelas. A cama cheia de núvens, e nenhum diálogo para me ocupar. O problema mesmo é essa insônia. São poucos os dias que ela me deixa em paz. São poucos dias que consigo refletir o céu sem usar um espelho, ou asas pra voar e vê-lo de cima. Nunca pedi por isso.

Quando acordo isso apenas está.

sábado, 4 de agosto de 2012

Marcação

-Já terminou?
-Não, ainda não.
-O que falta?
-Nada.
O primeiro dá um passo à frente, e com ansiedade pergunta ainda mais alto:
-Então como não terminou?
O segundo dirige-se à saída do cômodo, e diz ainda na porta:
-Não faltava nada desde o começo.
O primeiro não sabia o que dizer, ficou apenas olhando a parafernalha sobre a mesa. O segundo virou e saiu. Quando ele o fez, o outro sentou e ficou olhando para aquilo, pensando. Parecia entristecido com a falta de problemas, afinal, havia pagado para que o homem os solucionasse. Tirou do bolso um canivete, e começou a tentar ele mesmo arrumar.
Após várias tentativas desistiu. Acabou por deixar em cima da mesa, e dirigir-se à cozinha, para tomar um café. Achou que tudo se iluminaria com a mente um pouco mais agitada, estava focado completamente em seu dilema: como encontrar o problema? 
O segundo voltou, e trouxe algumas sacolas com coisas dentro, colocou-as sobre a mesa e tirou seu conteúdo. Misturando ao que já havia sobre a mesa. Sentiu o cheiro de café recém passado, e foi até a cozinha. 
-Eu trouxe mais.
O primeiro o olhou arregalado. Foi até a sala de entrada e tocou os objetos sobre a mesa.
-E agora, como vai saber? Como vai diferenciar?
-A diferença muitas vezes é a própria indiferença.
Sentou-se o primeiro, sentou-se o segundo. Os dois passaram horas juntando e organizando os objetos, ditados pelo homem mais acostumado a resolver esse tipo de situação. Tempo depois:
-Ok, entendi que está tentando me fazer de idiota. Pare de fazer rodeios e encontre logo o problema.
-Em que parte do objeto você está focado?
O primeiro hesitou:
-Na parte que me é útil, na parte que fará o objeto servir para o que sempre serviu! - respondeu com convicção.
O homem sorriu e disse:
-Para modificar esse objeto e deixá-lo ao seu gosto, terei de arruiná-lo.
-Então qual é o problema?
-Não há. Não com o objeto.
O primeiro mais um vez calou-se, e ficou olhando o trabalho empenhado do homem. Agora com uma expressão mais séria.
-Terminei.


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre o Veneno

O céu é uma válvula de escape
Que deserta do etéreo, do eterno
O céu te faz ver a vida outra vez
Com o sentimento reles de perder

E fico ali sentado com as pedras
E os pássaros voando e piando
E o tempo correndo e me atacando
Porque reles era eu, na verdade

Por não ter feito o que quiz
Por não ter comportado a dor
Por não ter sempre seguido o padrão
E me rebelado contra seu caos

Ele que me mantinha unido
Agora estou em toda a parte
Eu estou em você quando dorme
E eu estou nos livros de química

Olhando pro céu ao som do mar
Olhando pra mim ao relento do caos
Que você deixa na trilha de odor
Que faz bem apenas quando eu paro de respirar

Quando respiro parece enxofre
Parece que mil demônios rasgam o tempo
E como diria Mesmer em suas teses
Magnetismo é apenas uma vontade

Acontece que tudo o que está carregado
Ao encostar em algo descarrega
E ao se reaproximar é neutro
Como tem sido pensar no etéreo

Como tem sido olhar o céu de baixo
Como tem sido te ver daqui de cima
Como seria respirar em baixo da água
Que você envenenou ao respirar perto de mim.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Barra Dupla

Desmanchar e queimar até ver o último desmaiar!
É representar a hipocrisia em frente ao espelho e sentir-se confiante de que não a está reconhecendo. A fênix do equilíbrio que é ádito apenas aos que já o fizeram de motivo. Não que seja falsidade tornar uma coisa em outra apenas para que se siga o curso de algo, mas é sim um descaso. A fins de exilio, o tudo deve estar além do motivo, com ele em um lado e o sí em outro da mesma gangorra. E quando se parafraseia o curso como um caminho alternativo para que se realce o descaso, tem-se que a própria falsidade torna-se o motivo que o leva ao exílio.
Qualquer que seja a forma de resiliência, ela só é prescrita por sua própria descrição, e após o caso. É isso que torna simples o fato de que toda forma de restrição é compensada por um ideal de liberdade em seu lado oposto. Não é querer Hegelizar as coisas, mas quando tese e antítese mostram-se claras e presentes, é impossível que não se faça a relação entre as mesmas. No caso de ser, pensar.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

E Assim Nasceu o Peso

Resta que de lógica me farto
Surreal é tangente ao fato
De que o caos se organizou em letras
E a álgebra drenou planetas

Então você nota que se desprende do pensamento
Um cristal líquido, da morte o relento
A clareira da escuridão dá uma guinada forte
Vê-se um ponto branco simbolizando a morte

E ao redor dançam os anjos e suas espadas
Com as distorções lúdicas de mentes atordoadas
Demônios tortos corroem os vívidos trópicos
Ausentes são os delírios aos não-encefálicos

E ao repente sobram apenas as cantigas plenas
O acaso une-se às partes pequenas
A carnificina é particularmente cheia de nada
Culminante é o desprezo da reza por ela criada

No fim de todas as coisas, é só o que resta
E a necessidade de necessitar. Daí os demos
Perdidos em sua ignorância mórbida
Fazem do peso uma alusão sórdida.

domingo, 18 de março de 2012

Ensinar

Capte o seguinte:
Da partilha da insistência faz-se da indisponibilidade uma medalha sem valor algum a um ninguém adaptado. Como carne e sangue e vasos condutores, o éter, de referencial absoluto, desfia suas réplicas através do tempo, seu vaso condutor. Tem um império pétrido, pérfido e parnaso de pequenas criações: as pedras. São rascunhos de ex-estrelas. No espaço só há coisas brilhantes e quentes, ou nada. O espaço é meio tosco. Ele é meio colorido, meio escuro, meio vazio, meio cheio, meio redondo, meio esquecido, meio impossível, meio diferente, meio simultâneo, meio reticente. Condiz com a perfeição. Eis que se condiz, então não diz, e se não diz nem se mostra, não existe. Isso mesmo, não existe.
Se já se é visto que de nada adianta explorar micro-macro-meso infinito, que se cessem as pesquisas dessa área. Usem esse dom para fazer com que os recursos sejam infindáveis. Usem esse dom para prolongar e promover a espécie a outros planetas. Descobrir é um ato já ultrapassado. Exemplificar e descrever também. Negar é mais simples do que provar, por isso eu comando: proliferem!

Poema recitado mentalmente em preâmbulo de um acontecimento letal

Já está quase chegando no começo. Posiciona teu karma em uma mórula nova e muda de fator: deixa o que está aqui, pra cá, não leva nada. Melhor pra ti se não lembrar o que ocorreu, melhor ver tudo de novo, aprender tudo denovo, começar a se desarrepender.
Pode imaginar o novo? O gosto do novo, o cheiro do novo? Pode imaginar ter que imaginar tudo o que imaginou, denovo? Magoar de novo, explicar, esperar, migrar, denovo? Que gosto tem fazer tudo de uma forma nova?
Não repetindo as ações, mas reforçando o quão estúpido és. Afinal, tu rolou a vida toda de um lado pro outro, bebeu whisky que não era teu. Comeu da carne que não era tua e esperou encontrar algo ali do outro lado, mesmo sabendo que corria o risco de não ter visto nada. E não vai ver nada. Tu não vai nem lembrar que lembrou de algo antes de morrer. Então não vem com essa de "ah, passou um filme", porque filmes de verdade são exibidos em telas, e tu não tem telas no cérebro.
Eu sei que a vida toda é bem rápida, e esse negócio de último suspiro é uma covardia por parte das possibilidades, mas nem que você só esteja morrendo por acaso (relativo), sua memória será parte do que se foi. A menor delas. Tem que ser forte pra cruzar a porta de lá. Já é hora.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Eu Não Tenho Mais Saúde

Nem sanidade. Eu levanto e deito e levanto, e eu deito e penso em levantar. Aí eu saio do lugar que estava e me pego pensando em outro lugar. Eu saio à noite escura e clareio meus passos sem sol nem luar. Eu compro meu caminho até os outros lugares, mas o imposto é alto. As taxas são resolutas. Sua resolução é baixa e me deixa com dor nos soquetes oculares. Trocarei meus olhos por diamantes.
A dor nem me incomoda mais. Eu é que incomodo a dor. Porque mesmo cego eu não bato as canelas nos meios fios. Eu não prendo meu pescoço nos varais. Eu não faço do meu dia uma tragédia. Eu só não tenho saúde pra mudá-lo. Eu caio sempre num abismo azul. Uma correnteza que me suga como um canudo gigante e colorido.
É de concordância que preciso? Eu não preciso de nada. Sessenta vezes sessenta vezes são vezes que não se repetem. Eu nunca vi o mesmo número duas vezes. Duas vezes sessenta. Cento e sessenta vezes sem ver as vezes passarem. Pulei milhões delas fazendo contas.
Agora eu imagino um lago azul fundo. Ar e chuva. Preencho os cantos da imagem com árvores e raízes. Caiu algo no lago. Água pra todo lado. Era uma pedra preta de outro texto. Sai um homem do lago e diz que acordou, até que em fim. Eu não ligo pro que ele pensa, afinal é só um homem. Se ele fosse filósofo ou músico, quem sabe...
Enfim livre, eu corro entre as montanhas e encontro o povoado tão livre quanto eu. Eles se assustam: nunca viram roupas. E eu nunca tinha os visto. Nem por isso me assustei, povo mesquinho. Simplesmente saio de lá. Não gosto de maus olhados. Eu gosto é de dividir o planeta correndo tão rápido que meus pés derretem as pedras. Pular tão alto que o ar não entra mais nos meus pulmões.
Em época passada, pai não criava filho. Homem não falava com homem. Eu não conhecia o vento. A terra não sentia meus passos.