segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Pior

Cássio levanta apressado.
Questionando a trivialidade da vida, vai ao banheiro para barbear o rosto recém acordado.
Podia ter entupido o cano.
Podia ter cortado o pescoço.
Cássio cortou o dedo limpando a lâmina. Enfaixou para que estancasse o rubro. Sua filha, pronta, o esperava na garagem. Dirigindo até a escola, Cássio sentiu uma forte dor no dedo, e por pura distração derrapou.
Podia ter estourado o pneu.
Podia ter batido em um poste.
Cássio caiu do viaduto. Foi levado ao hospital. Telefonou para avisar do infortúnio no emprego e em casa. Sua esposa não o atendeu. Durante o raio X de sua filha, o médico o chama para a sala ao lado.
Podia ter quebrado uma costela.
Podia ter quebrado uma perna.
Cássio estava com o pulso estilhaçado. Como o exame foi corporal, seu médico ainda lhe deu uma triste notícia. Tinha câncer de pulmão em fase terminal. Sua filha estava bem, havia sofrido apenas leves arranhões, por pura sorte. Após um exame de rotina, foi liberada. Cássio deu perda total no carro. Telefonou a um amigo para que o levasse em casa. Ele também não o atendeu. Pegou um ônibus com sua filha e levou duas horas para chegar até seu bairro. Após isso, caminhou por mais meia hora. Chegou em casa e chamou por sua mulher.
Podia estar no trabalho.
Podia ter abandonado a casa.
Sandra estava no quarto, traindo Cássio com seu amigo. Ele fez a filha esperar na sala e foi tirar satisfações com o cafajeste. Pedro, que era medroso, saiu da casa assustado, com medo do porvir. Cássio olhava agora para a mulher, com os olhos flamejando uma tristeza silenciosa.
Podia ter gritado com ela.
Podia ter batido nela.
Cássio foi até o quintal e pegou a furadeira.
Questionando a trivialidade da vida, como em um dia qualquer, Cássio usou a furadeira em si mesmo.
Ele encerrou um ciclo de azar que não teria mais fim.