quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Samba Lelê Tá Doente

Vou dizer agora tudo aquilo que eu não disse antes. Qualquer seja teu caminho, opte por pensar um pouco antes. De uma opção nova, várias outras são formadas nas brasas da escolha que queima com a interpretação do inteligível. Pena que não é toda brasa que perdura, aliás nenhuma. Não contando aquela que já te é inerente. Não é quente, mas o calor é forte. Entre os estriados e lisos ela pula e dança, como quem recém ganhou uma competição do intelecto. Engraçado como quando o cérebro se satisfaz, o corpo todo reage de acordo. E esse acordo é uma cinza, que foi brasa outrora. 
Agora que já foi o tempo de finalizar, quem esticou as mágoas teve um fim mísero. Só se chora quando se transborda por dentro, e todos sabemos que a água do mar é como a nossa. Perdura a consciência de que um tempo calcificado venha a tratar teus cabelos como eu. Mas o velho dilema da posse urge por ser solucionado. Estava sem causa quando te disse pra se afastar.
Sendo que muda todo o conto, não espero que os demônios voltem. Já vieram e ensinaram tudo o que o aprendizado foi capaz de reter. Problema é que mesmo profana, aquela dúvida, pelo menos, tu me sanava. As cadeiras rodando e nessa dança foi ficando apenas uma. Eu sentei, e a música parou. Falaram que eu perdi o jogo, mas entendi o seu propósito.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Tudo Que eu Crio

Não preciso que passe do limite do audível. Também não quero que o próximo trago seja ferido e influenciado pelo quando eu quis que fosse, apesar. Então, ao seu tempo, tudo vai passando sem que a coragem seja abalada. Mesmo eu estando aqui diante dos deuses e magos que criticam minha esquizofrenia. Sofria eu, é por não conseguir direcioná-la.
Sabe o que te faz mal e mesmo assim suporta. Porque quem não aprende com dor, não sabe o quanto o tempo castiga. A asfixia permutava os confins do real e do mágico. Era o que? Apenas coragem em um velho enlatado sobre um tesouro em um faroeste qualquer. E as vírgulas que eu não coloquei foram pra sinalizar que a união pode, sim, destruir uma boa frase. E os erros da nossa concordância também.
Quisera eu ter um arsenal de palavras tão fortes quanto o que sentia. Mas o sol também não ilumina a terra toda, as nuvens não chovem o sem se acabarem por completo. Falta eu começar a chover. A fim de que toda essa mudança seja pra melhor, e que tudo o que eu crie seja estável. Já começo a me repetir.
Quando em terra de cego, se tiver os olhos plenos, carregue alguma proteção. Não é de toda a majestade reinar entre os ladrões, então não deixe os conceitos vencerem. E quanto à nostalgia de se ter os olhos vivos, já te bastaram pra ensinar que o mundo podia ter sido melhor. É assim que banda tem tocado, em seu cume. A montanha escalada tem três vezes o seu tamanho. E desce-la é a maior dor possível, sobre qualquer ponto de vista.
A regra geral do desapego me fez nivelar novamente as importâncias. O metal expandido sobre as madeiras leva o trem à cidade, onde todo e qualquer desnível é tratado com indiferença. Não teme quem te adora à própria morte, por mais que isso te demore a ocorrer na cachola.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Pior

Cássio levanta apressado.
Questionando a trivialidade da vida, vai ao banheiro para barbear o rosto recém acordado.
Podia ter entupido o cano.
Podia ter cortado o pescoço.
Cássio cortou o dedo limpando a lâmina. Enfaixou para que estancasse o rubro. Sua filha, pronta, o esperava na garagem. Dirigindo até a escola, Cássio sentiu uma forte dor no dedo, e por pura distração derrapou.
Podia ter estourado o pneu.
Podia ter batido em um poste.
Cássio caiu do viaduto. Foi levado ao hospital. Telefonou para avisar do infortúnio no emprego e em casa. Sua esposa não o atendeu. Durante o raio X de sua filha, o médico o chama para a sala ao lado.
Podia ter quebrado uma costela.
Podia ter quebrado uma perna.
Cássio estava com o pulso estilhaçado. Como o exame foi corporal, seu médico ainda lhe deu uma triste notícia. Tinha câncer de pulmão em fase terminal. Sua filha estava bem, havia sofrido apenas leves arranhões, por pura sorte. Após um exame de rotina, foi liberada. Cássio deu perda total no carro. Telefonou a um amigo para que o levasse em casa. Ele também não o atendeu. Pegou um ônibus com sua filha e levou duas horas para chegar até seu bairro. Após isso, caminhou por mais meia hora. Chegou em casa e chamou por sua mulher.
Podia estar no trabalho.
Podia ter abandonado a casa.
Sandra estava no quarto, traindo Cássio com seu amigo. Ele fez a filha esperar na sala e foi tirar satisfações com o cafajeste. Pedro, que era medroso, saiu da casa assustado, com medo do porvir. Cássio olhava agora para a mulher, com os olhos flamejando uma tristeza silenciosa.
Podia ter gritado com ela.
Podia ter batido nela.
Cássio foi até o quintal e pegou a furadeira.
Questionando a trivialidade da vida, como em um dia qualquer, Cássio usou a furadeira em si mesmo.
Ele encerrou um ciclo de azar que não teria mais fim.

sábado, 10 de agosto de 2013

Porque Tudo o Que Eu Toco Vira Pedra, e Tudo o Que Eu Vejo Vira Ouro.

O que eu quero?
Mistério.
Seu olhar distante me lembra meu tédio.
Então, por estar aqui, estou em outro lugar mais calmo. Longe da tua falácia. Perspicaz, como quem já perdeu o trauma e já procura um tempo novo. Se vai ele ao longo dos que permanecem. E é difícil lidar, uma vez que já não os tem.
Cozidos no fogão do ódio, na cozinha do inferno. Diretamente da forma de pão do próprio demônio com seus chifres moribundos e sua voz gutural exclamando: querida, o que se passa nessa sua cabeça? Vem até aqui, quero te mostrar o outro lado da moeda.
E ela vai. Ela sempre vai.
E já sabia que ia.
Sempre esculpo o busto da certeza no mármore feito de flácidas conversas, eu lembro. Quem dera eu pudesse e tivesse o dom de acolher só o que me rege o tom perfeito e harmonioso.
Esse já se foi.
Ou acreditei que ele existiu e alimentei outra mentira.
Sou um mentiroso.
A meu estilo eu estilhaço os dogmas, e os desabafos simplesmente vêm. Eles vêm com sede.
E não tenho nada a oferecer. A água se foi, a cerveja secou, etc...
Por estar com o carisma afetado e pela chuva que cai lavando o campo, sem pressa nenhuma eu sento à beira do lago de ideias que desembocam na boca tua: jogo uma pedra de solidão, o fundo desse açude é cheio delas.
Negras.
Castas.
Infiéis.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Carmen

     E os gritos vêm de fora. Eu não vejo, só escuto a dor sair em forma de som pela boca das atormentadas. Não consigo ajudar, não sei se quero. Dever é uma característica imprecisa.  Cultuando o sol, que me aparece quando eu menos quero que venha, ainda me é o único motivo de vida. Comida acabou, água acabou. O fato é que a vontade acabou, e com ela todo o resto. 
       Causando esses gritos eu ouço estalos de um chicote imenso. Quase que como dividindo ao meio o chão quando se cessa o movimento. Já não sei se imagino a cena, ou ela está tão real que a realidade é que eu estou inventando pra disfarçar tamanho horror. As mulheres cospem sons tortos enquanto o canalha as espanca. 
       Fico eu com a incerteza do acaso. Pois esse caso não é aqui, e não é meu. Mas que eu vejo essa cena todos os dias em lugares diferentes. Esquecera que talvez fossem mães de amigos, ou a minha própria. Talvez fossem santas, talvez deficientes, malditas, médicas, celebridades, comuns. Todas elas nas ruas com receio do pior.
       A cria nasce, mais um bastardo. Por um destino incerto, uma morte injusta para um sentimento cru. Quase que nua, a mãe e o ex-feto se entreolham, mas não aceitam um ao outro. Assim que se separam um sorriso em cada rosto. Única e exclusivamente a mãe sente o útero dolorido. Seu nome é vida. Estuprada pelo tempo ela gera a humanidade. Um feto deformado que vaga o mundo à procura de um comodismo outrora frequente no colo da mãe inglória.
       Caso o desprazer seja teu rumo, tua ruína é a felicidade.

sábado, 1 de junho de 2013

Negação

Já por próximo do estado sólido, o sono fazia carinho em suas pálpebras. Ele olhava todo o cômodo e encontrava só lirismo. Talvez porque vivesse de idealizações e de entendimentos incompletos. As idealizações mesmas eram também seu ponto fraco. Era necessária a revalorização, uma nova inspiração para que não definhasse o cérebro já defasado. Diz-se que apenas quando se para de procurar, as respostas vêm. Pra ele não vieram. Mesmo que procurando, ou não. Experiências oriundas dos dois métodos o levaram a um novo nível de empirismo: o causal. E como se importava tanto em ser concreto o racionalismo, dentro dele brigavam os dois. Mas ele opta por deixar o fluxo temporal decidir sobre as suas ações, intervindo apenas quando necessário. Negando apenas quando necessário. A vida feita de exemplos contornados.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O Retrato

Abstrato, quase que poluído. Esvaído, em memórias enriquecido.
Se o é grande, tenha surgido o léxico visual após acontecidos milhões de outros fatos. Pois deu-se que no momento de sua criação era um aglomerado instintivo de ataques de tinta. O sentido acomodado em sua caverna saiu para rugir. Uma obra faraônica concluída em duas horas. Despedaçando o estilo austero, característico de seus demais feitios. Adorava o novo estilo. Passava horas tentando imaginar as grandezas ínfimas de sua criação. O retrato possuia mais vida que ele próprio, em toda a sua experiência. Talvez por ter brotado expontaneamente, profundamente, da parte mais escura de seu cérebro, o quadro seja uma máxima de expressão sentimental. Quiçá o sentimento tenha escapado às barreiras e gaiolas criadas por ele, e transparecido em matéria. Queria ter sentido bem assim nas outras. Sabe-se lá quantas dores de cabeça ele enfrentou antes e após a realização. Era muito antigo pra quem tem vontade de correr atrás de tempo perdido. Decepção e corda pra firmar seu fim.

domingo, 14 de abril de 2013

Como se Tornou Simples

O acontecido foi real. Estava ali na minha frente. Eu, tosco, fui lidar com outra coisa, e não dei a atenção necessária. Levei meses pra perceber que já tinha ido. Ninguém quer pagar pra ler lamúrias, então não as procure. Se evitar buscar a dor, ela evita deixá-lo. Será que a dor é que te busca? Dor de quê, não é?
Afinal é mutável, cardeal e desprendida. Que paira sobre os corpos dos outros e espera o momento de agir. "Espera que tua hora vem". Não há música que produza som, quando os que são ouvidos representam soluços. Preza pelo que é bom enquanto não te faz mal.
E enquanto afia a faca do ódio, covarde, ela espera que estejas desprevinido. Desprovido de defesas. Conforme e porquanto estejas caminhando tranquilo, ela virá. Quase que como rotina de dias que se foram, mas que agora o visitam em carros novos e esposas chiques. Dói mais agora?
Não, não dói mais. Já cansou a dor de doer. E o músculo de sentir. E o cérebro de pensar. 
Já está em fase de morte cerebral, coração partido e melancólico.
Não consegue andar sem ver os rostos antigos de dois amigos que já se foram. Um com o outro, mas ele sem os dois. E quando tenta evocar o laço antigo, aquele de longa data, nada o vem. E quando vem usa vestido branco, véu, grinalda, sapato, champagne, mel e filhos. 
Sabedoria é boa enquanto apreciada. Pena que não tenha sido dele.


domingo, 24 de março de 2013

Gelada é a Morte

Clamo que de simples não tem nada. Ao simples toque do "porquê" tudo torna diferente o sentido. Embalsamado vive o crânio adormecido, fácil de ser encontrado, bruto por ser esquecido. Essa assonância é por mimetismo, mesmerismo. Enquanto ao aproximar a realidade de um todo crítico, encurta a distância do abismo onírico. Aquele que te faz estar sempre onde não é seu lugar, em garras cruas, em carnes mortas. Por que resolve o dia passar calmo, se acalmo o dia passando por si? Ódio às pilhas que movem essa cadeia sólida de existência estagnada. A multiplicidade infinita da ira que me toma por completo quando vejo seu reflexo. Mesmo desdenhando a capacidade ínfima do auto-escopo em fragmentar-se, é só.  De vários pontos de vista o sujeito ainda é o mesmo, cansado. Ainda que inintendível, impenetrável, implacável, inteligível, a brecha é seu ponto mais forte. O abraço lhe vem por trás e lhe rasga as asas que o tempo deu. Gelada é a morte.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Misturar

Claro que hoje a sinestesia é tomada como um pretexto literal e impossível de reproduzir. Afinal quem come cheiros e sonha passos, vê desejos e ouve o vento gritando. Não é só por isso que eu sinto um calor gelado que vêm dos olhos seus. É mais por simplesmente entender que lá dentro tem esse mesmo oceano de apatia que me mantém acordado. Quase que um equilíbrio forçado de objetos avessos, opostos, incongruentes e inconcebíveis no universo real. Certo de que o todo é que me desbrava pouco a pouco, e convicto da visão ácrida que escolto pela noite afora, o objetivo da intenção mais nobre que tive, se mostrou inútil. Talvez não porque não tenhas me mostrado as cores do som, ou o cheiro doce dos teus lábios suaves, mas sim porque não é em mim que está a coragem de iluminar-me o dia conquistando um riso seu. Eu fui feito pra chuva, e é ela que tem lavado a tristeza. Porque enquanto você voa absolutamente sólida, eu me torno cada vez mais gasoso.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A Pressa Tem Novos Aliados

Lá estava ele sentado à beira da calçada, em um paralelepípedo médio e maciço. Vendo os carros passarem como um estouro de rinocerontes, fervorosos e prestes a colidir. Acende um cigarro e olha o céu estrelado. "Pena não poder tocá-las". Tem sonhos normais, vontades naturais. No momento, a brisa lhe é todo o necessário.
O ar noturno lhe faz meditar sobre as antigas fases da vida. Sobre as coisas atuais e novas, e sobre as coisas que virão. Nada lhe faria mais bem do que a ausência do tempo. Cigarro no fim, levanta e caminha. Cada passo é uma força nova que sai de si e alcansa a quem está ao seu redor, faz mover o mundo com um simples mover das pernas.
Sentiu-se saudável, mesmo sujo. Que uma nova motivação lhe invadiu o peito, e o puxava. Puxava com a mesma força com a qual recorreu ao bar. Andou mais alguns passos. Viu mais pessoas reunindo-se e tentou avisá-las sobre o quanto se sentia bem. Nada aconteceu. Seguiu.
Sentou-se sobre a represa e observou o rio. Tão inerte quanto qualquer outro objeto ao fundo da paisagem. E os prédios rodando, e os pássaros piando. Plena madrugada e o sol brilhava. Escuridão total e o mundo tremia como se tivesse medo. Medo de que no tempo ele se perdesse. Conectados pela vontade que tinham de estar. Ele e mundo se fundiram. Caiu com a barriga paralela à superfície da água, e não afundou.
Sentiu que flutuava em direção ao sol. Que quanto mais pra baixo, mais pra cima. Tentou nadar de volta e avistou uma janela. Grande, e vermelha. Essa o conduziu ao seu apartamento, onde a velha poltrona o esperava. Sentou-se e adormeceu, novamente. 
Acordou com uma vontade imensa de afogar as mágoas.