segunda-feira, 1 de julho de 2013

Carmen

     E os gritos vêm de fora. Eu não vejo, só escuto a dor sair em forma de som pela boca das atormentadas. Não consigo ajudar, não sei se quero. Dever é uma característica imprecisa.  Cultuando o sol, que me aparece quando eu menos quero que venha, ainda me é o único motivo de vida. Comida acabou, água acabou. O fato é que a vontade acabou, e com ela todo o resto. 
       Causando esses gritos eu ouço estalos de um chicote imenso. Quase que como dividindo ao meio o chão quando se cessa o movimento. Já não sei se imagino a cena, ou ela está tão real que a realidade é que eu estou inventando pra disfarçar tamanho horror. As mulheres cospem sons tortos enquanto o canalha as espanca. 
       Fico eu com a incerteza do acaso. Pois esse caso não é aqui, e não é meu. Mas que eu vejo essa cena todos os dias em lugares diferentes. Esquecera que talvez fossem mães de amigos, ou a minha própria. Talvez fossem santas, talvez deficientes, malditas, médicas, celebridades, comuns. Todas elas nas ruas com receio do pior.
       A cria nasce, mais um bastardo. Por um destino incerto, uma morte injusta para um sentimento cru. Quase que nua, a mãe e o ex-feto se entreolham, mas não aceitam um ao outro. Assim que se separam um sorriso em cada rosto. Única e exclusivamente a mãe sente o útero dolorido. Seu nome é vida. Estuprada pelo tempo ela gera a humanidade. Um feto deformado que vaga o mundo à procura de um comodismo outrora frequente no colo da mãe inglória.
       Caso o desprazer seja teu rumo, tua ruína é a felicidade.